quarta-feira, julho 15, 2009

Cinzas

Este foi meu 1º conto publicado no blog ContoNovela
O velho hábito de não apagar direito o cigarro persistia. De todas as outras manias que Leon tinha, essa era a que mais incomodava Raquel. Incomodava não porque ela era uma pessoa resmungona ou rabugenta. Incomodava, pois a fumaça que saia do cinzeiro sempre vinha em sua direção.Certas coisas são criticadas com razão, outras não. Essa era razão suficiente para Raquel gritar. – Apaga a porra do cigarro Leon. Que merda, você não aprenderá nunca. Essa porcaria de fumaça vindo na minha direção me deixa louca.
Leon não se abalava mais com as reclamações de Raquel. O casamento de quatro anos passou da validade e o final estava muito próximo. As brigas não faziam mais sentido e tudo o que ele mais desejava era passar a maior parte do dia sem ouvir a voz da esposa. O começo do fim começou no começo.
Os pais de Raquel tinham dinheiro. Esse foi o primeiro ponto negativo que Leon encontrou na bela garota de olhos verdes que cochichava com as colegas por detrás do vidro daquela sala de aula que ele não freqüentava. O primeiro encontro foi pro acaso e o primeiro beijo, inevitável. Dois meses depois, trocaram alianças, assistidos pelos pais da noiva. Leon nunca, nem por um segundo durante esses quatro anos, se esqueceu de como foi visto naquela casa. O casamento foi simples, simplesmente lamentável. Dezenas de pessoas, poucas vezes vistas, estavam presentes. O casamento de Leon, para Leon, parecia de outro.
Foram morar, logo depois do casamento, no pequeno apartamento que Leon possuía na Rua do Jornalista. Raquel nunca gostou. Reclamava de tudo. Reclamava e colocava sempre, no final de cada uma das reclamações, a possibilidade de morarem em um lugar “melhor”, que seu pai pagaria. Não mudaram. Nunca mudaram. O trabalho de Leon garantia o sustento dos dois. Uma vida muito digna, com certos exageros. Leon ganhava bem. Construía uma vida em etapas. Fazia reservas, era aplicado. Raquel sempre reclamava.
O próximo passo do relacionamento foi dado, mas não deveria ter sido. No segundo ano, do casamento que não começou bem, chegou Lara. Gorducha de olhos verdes, como os da mãe. A pequena criança deu alegria para a vida de brigas. Momentos felizes foram sentidos pelos mais próximos daquele casal. Leon era o melhor pai de todos. Raquel, uma ótima mãe. Quando juntos, os três, aos olhos de quem os via, eram, o que chamam de família perfeita.
Tosse. Foi assim que o sono de Raquel foi interrompido naquela quarta-feira de chuva. Pouco mais de uma hora da manhã, a pequena Lara tossiu. Mais de uma vez. Leon nada ouviu. Raquel sentou-se na cama e decidiu levantar. Caminhou alguns passos e nada mais ouviu. Dormiu, ela pensou. Voltou para a cama e virou-se para a parede. Raquel adormeceu com um último som que parecia vir de dentro de sua cabeça cansada. Cof.
O dia seguinte amanheceu sem brilho. Nada restou da chuva, somente as toalhas molhadas no varal improvisado na cozinha. Leon foi ver a filha. Chegou com o rosto bem perto da pequena Lara e beijou-lhe a face. Gelada. Gritou. – Raquelllllll. Meu Deus, não.
Sim. Deus havia levado a pequena Lara. Sufocada com a chupeta a criança morreu. Os olhos de Leon depois dessa manhã nunca mais brilharam. Raquel não conseguiu chorar. Estava morta por dentro. Sabia que a culpa era dela. A própria preguiça tirou-lhe a filha. Raquel morreu nesse dia. Matou-se e matou. Matou Leon que depois daquele dia nunca mais apagou direito seu cigarro.

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